sábado, 24 de janeiro de 2009

Call me Madalena!

Ao som da campainha, mil e uma coisas passaram pela cabeça de ambos. Ela correu, abriu a porta, sorriu e, fazendo tipo, disse:

- "Ai, meu carneiro... No forno..." - sumiu, deixando-o à porta. Voltou com duas taças, um sorriso lânguido e, na boca, o batom.
- "Você não vem?" - perguntou debochada.

Ele foi, perguntou pelo carneiro e, como resposta, ouviu, excitado, que o prato principal acabara de passar pela porta. Beijaram-se.
Enquanto ela escolhia a música, ele ocupava-se em abrir e servir o vinho barato que trouxera, ambos concordavam que naquelas noites não havia espaço para Mouton-Rothschild. Ela veio, pegou a taça com uma mão e com a outra soltou o cabelo, que - depois confessou - havia prendido com o único objetivo de parecer sexy ao soltá-lo. Era assim, sempre fora. Numa relação puramente sexual, por mais intimidade que tivessem, não deixariam de interpretar aqueles personagens sempre tão sedentos um do outro.
Alcançaram-se.
Depois de truques, confissões e várias taças de vinho, um samba em slow motion convidou-os a dançar.

- "Dance-me" - ordenou ela.

Sem pestanejar, ele foi.
["you're so good to me/ and your love's the inspiration that I need"] Com todos os pés a fim, ensaiaram beijos, sincronizaram passos... ["face the music/ dance to the music/ now I hear the sound of music/ and your kisses take it closer to perfection"] Num giro, ele desabotoou o vestido dela; noutro, ela arrancou-lhe a camisa. ["you're so good to me/ and I hope to give you back the peace of mind/ that you give to me/ and it feels like Bossa Nova by Jobim"] Naquela bossa suave, ["the solution to my dilemma"] derreteram-se, ["you're my girl from Ipanema/ inspiration for my samba"] desnudaram-se e ela ["in slow motion"] pediu:

- Call me Madalena!

["you are the top, you are my devotion/ my slow motion bossa nova dream"]

Ele a beijou, ergueu-a no ar e, apertando-a contra a parede, suspirou:

- Em terra de Maria, quem tem Madalena - riu - é rei.
- És tu. For the first and last time - ela disse, olhando-o nos olhos.
- Eu quero um baby seu!
- Mine?
- Mien.
- Seu?
- Nuestro!

A mão grossa dele correu por toda a extensão do corpo quente daquela nova Madalena que nascia ali, filha do prazer, escrava do prazer, dona do prazer. Ele a levou com sofreguidão à mesa, deitou-a, nua. Nu, fez com que cada parte sua unisse-se a ela, com que cada gesto seu curvasse-se a ela e em cada beijo seu despedia-se dela. Depois de tanto tempo, aprendera a reconhecer a verdade naquela teia tão emaranhada de ardis que ambos haviam construído.
Língua a língua, foram-se conhecendo e, simultaneamente, despedindo-se de cada pedaço um do outro. Cada afago escondia uma lembrança diferente e o gosto amargo que a despedida tinha misturava-se ao doce que aquele encontro cheio de volúpia e novidade encerrava. Uma torrente de juras vinham fomentar o amor - tão novo, tão curtido - que eles, em prol do jogo, escondiam até mesmo de si. Haviam prometido um para o outro que entregar-se-iam ao fugaz, sem caber de imaginar um depois. Não conseguiram.
Ele puxou-a para si, virou-a e sentou-a em seu colo, agora sobre a mesa. Num movimento semelhante àquela relação, foram, vieram, ficaram... E enquanto curtiam o êxtase daquela nova dança, ele, munido do vermelho de um batom, inscreveu em Madalena um último poema, "case-se comigo!"
Gozaram, sorriram, dormiram.
De manhã, ao acordar, deitado sobre a mesa, ele descobriu-se viúvo de uma Madalena que nascera para morrer de amor. Chorou a perda, vestiu a roupa, bateu a porta e nunca mais voltou.



Nas entrelinhas, Slow Motion Bossa Nova de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Feito Fumaça

Não estava acostumado àquele tipo de relação, definitivamente. Até então eu só havia mesmo ficado com mulheres e isso me bastava, nunca tinha tido um fetiche estranho... Alienígenas, casais, enfim... O meu terreno era o feminino, era onde eu me sentia à vontade. Mas é que algo de diferente havia me atraído nele, não sei... Sempre ali, lânguido, firme, prestes a queimar-se inteiro. Ah, vai entender... Não tem como comandar o tesão, quando vem, vem e aí já viu, né? Faz com que tudo que a gente acha que sabe vá embora feito fumaça.
Era uma sexta-feira à noite, estava planejando sair com uns amigos, iríamos a um bar bacana onde todo o pessoal da faculdade se encontra às vezes. Por volta das 21:00, tomei um banho e fui esperar minha carona no portão. Assim que entrei no carro, notei que ele estava lá, controlei-me, não queria, ainda, dar bandeira. Tudo bem que eu sempre tive pré-disposição pra essas coisas, sempre fui a ovelha negra da família e ninguém nunca esperou outra coisa de mim, mas pera lá... Era tudo muito novo e eu ainda nem tinha certeza se queria.
Chegamos ao bar, cumprimentei todo o pessoal e sentei-me na mesa com uma menina que vinha paquerando há algum tempo. Papo vai, papo vem... De repente, percebo que ele está lá, olhando-me lascivo, charmoso... Não resisti, não só retribui o olhar como o intensifiquei.
A menina percebeu.

- Estás a fim? - ela pergunta.
- Não sei. Talvez...
- Vai fundo!
- Será?
- Vai lá... Eu não me importo.

Fui. E ali mesmo ficamos. Foi tudo tão rápido que em um segundo fui penetrado. Senti como se todos os meus espaços vagos tivessem, naquele instante, sido preenchidos, deixei que aquilo me tomasse, senti-me enebriado, até um pouco tonto, até que, enfim, gozei, jogando tudo quanto havia preso em mim pra fora. Depois daquele dia nunca mais fui o mesmo, havia, finalmente, encontrado aquele que me faria, a cada encontro, estremecer de volúpia: o cigarro.

sábado, 4 de outubro de 2008

Não me deixe!

Agora, era como um monumento. De joelhos, encostada ao espelho da cama, ela sentia nas costas a respiração ofegante do rapaz que, apesar da pouca idade, levava à loucura aquela mulher tão sedenta de um incêndio como aquele. Ela, na casa dos 50, ele, com 17: um baque!
A despeito da promessa que havia antes feito, o menino tornara a ligar, a procurá-la, não resistira. Ambos tinham entrado num consenso, aquilo lá era uma mentira, não podiam continuar a viver algo tão potencialmente perigoso e cheio de ardis, separar-se-iam - se fossem capazes. Não foram, ele não resistiu... As lembranças eram fortes demais, cálidas demais, dominavam-no. E em cada passo que dava via um braço, um abraço, um sinal, todos os sinais. Tudo o levava àquela mulher que o havia ensinado a ser total, a ser homem, a ser aquele que quisesse ser.
Encontraram-se, naquela noite, no mesmo quarto onde antes viveram tão tórridas cenas, abraçaram-se, disseram-se um para o outro e beijaram-se longamente, numa tentativa de voltar atrás e recuperar tanto tempo perdido...
Era tarde, passava das três da manhã, e as duas almas pareciam inscritas uma na outra. Ele beijava as covinhas das costas da mulher, fazendo com que ela transcendesse no tempo e no espaço para sentir-se, de novo, menina. Suspiros lânguidos soavam como música francesa e os dois, agora, dançavam-na suavemente. Beijos, abraços e afagos ditavam a cor do céu espelhado do quarto, e enquanto ele mordiscava barriga e seios da mulher, ela revirava os olhos esperando para retribuir a prenda.
Os dois rolavam na cama sem se preocupar com nada mais, falavam coisas desconexas, soltavam versos de acaso, faziam do tempo espectador daquela beleza. A mulher era invadida pouco a pouco, e, à medida que se sentia completa, gemia baixo uma promessa: "Moi je t'offrirai des perles de pluie venues de pays où il ne pleut pas. Je creuserai la terre, jusqu'après ma mort pour couvrir ton corps d'or et de lumière. Je ferai un domaine où l'amour sera roi, où l'amour sera loi, où tu seras reine." E como que se soubesse que de manhã o sol e a brisa matutina poderiam levar o rapaz para sempre, ela o prendeu com as pernas e chorou versos de pedido: "ne me quitte pas, ne me quitte pas, ne me quitte pas..."




No sussurro, Ne Me Quitte Pas de Jacques Brel.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Veras

Diferentes tons de uma mesma cor marrom respiravam-se à beira da praia. Não havia, de fato, uma reciprocidade, pois ele, perceptivelmente, doava-se mais, apesar do afã que os poros dela exalavam. A despeito da irreciprocidade dos atos, o querer de ambos tinha a mesma intensidade. Enquanto, à sua maneira, ela suspirava chamarizes, ele gritava alto sua vontade: duas diferentes formas de dizer a mesma coisa, "mais!"
Ao som da voz ofegante dela, ele desbravava, com as mãos, coxas e virilha, sentindo-a tremer de volúpia. Com a boca, ele enebriava os sentidos dela, beijando-a na orelha, passando pelo pescoço até chegar aos seios duros e firmes da morena. A libido não tinha mais espaço naqueles dois corpos e, agora, pairava no ar, admirando aquela cena tórrida, onde homem e mulher conjugavam, hibridamente, um animal que urrava versos afinados com o desejo, com o calor, com o fogo.
De pernas abertas e suspensas, a moça desafiava os limites do prazer, ultrapassando-os ao passo que o rapaz sorvia seus sabores e delírios. Parecendo não cansar, a boca rija dele dirigia-se à boca da menina passando por seu umbigo e seus seios. Diante de tanta lascívia, os gemidos e sussurros haviam sido transformados em gritos e urros que eram justificados pela intensidade que a moça, agora, punha em seus afagos.
Como que se soubessem ser o fim algo realmente próximo, beijavam-se ardentemente, entrando em sintonia com o calor que os primeiros raios de sol lançavam sobre eles. Misturadas à fúria daquela noite, lembranças desconexas de um antes os confundiam, atrapalhando a possibilidade de um depois, mas, sem dúvida, as marcas daquele encontro ficariam retidas nas entrelinhas dos devaneios de cada um até que fossem, novamente, mar.